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O que é meditar
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O QUE É MEDITAR?

A palavra “meditação” é utilizada com muitos significados diferentes, hoje em dia. Algumas pessoas entendem “meditar” com uma forma de pensar em algum assunto, ou imaginar alguma coisa. Para outras, é um processo de controle emocional, reduzindo o estresse e acalmando a mente, para produzir bem-estar. As propagandas atuais de cursos, oficinas e retiros de meditação costumam indicar que se trata de alguma atividade destinada a produzir benefícios físicos (melhorar o funcionamento do coração, reduzir a pressão arterial) e emocionais (calma, satisfação, equilíbrio), mas raramente explicam exatamente o que seria meditar. 

A palavra “meditação” e seus equivalentes em outros idiomas ocidentais (meditation, meditación, meditazione...) vêm do latim “meditativo” que, por sua vez, provém do verbo “meditari”, que significa pensar, ponderar, planejar. O significado ocidental original, portanto, se refere a atividades mentais, intelectuais. 

Na tradição indiana, a meditação é representada pela palavra “dhyāna” e tem um significado bem específico. Não se trata de relaxar, atingir um estado de calma ou ficar pensando e imaginando coisas. A meditação tradicional indiana é a entrada em um estado alterado de consciência, induzido e controlado pela própria pessoa (sem uso de drogas nem de estímulos externos), através do qual o praticante pode adquirir sabedoria e se transformar espiritualmente. Em dhyāna, a pessoa ultrapassa o funcionamento de sua mente (manas, em sânscrito) e ativa a buddhi – um órgão interno de sabedoria, que não tem correspondente em nossos idiomas ocidentais. O aprendizado de técnicas de meditação é gradual, começando com práticas de concentração e de controle da mente, levando depois ao estado meditativo (dhyāna) e também ao estado de união (samādhi).

É esse significado da meditação tradicional indiana que nós, da equipe Shri Yoga Devi, adotamos e apresentamos aqui. É um significado pouco conhecido e ensinado, atualmente.

 

ESTADOS ALTERADOS DE CONSCIÊNCIA

A maior parte de nossas vidas se passa em estados de consciência comuns, que todos conhecemos bem, nos quais utilizamos nossas capacidades usuais: pensar; lembrar-se; planejar; agir; ter sensações; ter emoções. Tudo isso são atividades regidas por nossa mente. A mente costuma estar funcionando desse modo comum todos os dias, quando estamos conversando, trabalhando, comendo, passeando, tomando banho e fazendo outras atividades usuais.  

Há, no entanto, situações que podem produzir estados de consciência pouco usuais, diferenciados, como os que surgem com emoções muito fortes... tanto de alegria, quanto de dor, tristeza, ou outras. E muitas pessoas procuram sair do estado de consciência comum mediante algumas práticas especiais, como por exemplo: exercícios físicos violentos ou “radicais”; exaltação emocional induzida por danças agitadas; uso de bebidas e outras drogas; e outras situações em que a pessoa fica “fora de si” (fora de seu estado psíquico normal). Não é exatamente uma busca de prazer, nem de bem-estar (conforto). Em situações desse tipo, as pessoas estão procurando “algo mais”, além das sensações, das emoções, dos pensamentos e dos estados mentais comuns, do dia-a-dia. Algumas dessas “fugas” do estado de consciência comum são consideradas mais “inocentes”, outras são consideradas problemáticas (especialmente as que envolvem o uso de drogas). 

A busca espiritual mais profunda também está associada a estados alterados de consciência. A pessoa que está em busca de uma transcendência espiritual também está querendo ultrapassar os estados de consciência comuns, do dia-a-dia. Há tradições espirituais que utilizam estímulos muito fortes para induzir estados alterados de consciência, como práticas de ascetismo, jejum e situações de dor física. Em certas tradições espirituais são realizados rituais e utilizadas drogas para que a pessoa atinja estados alterados de consciência. Práticas como danças sagradas também podem induzir esses estados. 

Na tradição indiana, como em outras civilizações, há práticas ascéticas muito violentas que podem produzir estados alterados de consciência. Existem, no entanto, caminhos espirituais que levam a estados alterados de consciência por práticas progressivas, em que a pessoa adquire domínio sobre si própria, através da meditação. Meditação (dhyāna), na tradição indiana, é uma prática pela qual se “desliga” o funcionamento normal da mente e se entra em um estado alterado da mente muito especial. A meditação não é o estado mais profundo que se pode atingir, que é o samādhi, mas é um passo muito avançado para se chegar ao samādhi. 

Sem o uso de drogas ou de qualquer outro estímulo externo, através da meditação, a pessoa pode atingir estados alterados de consciência que ultrapassam os limites do ser humano comum, e que podem ensinar muito a respeito da própria pessoa e de toda a realidade, transformando sua vida e abrindo as portas para um desenvolvimento espiritual profundo.

Para se compreender o que ocorre durante uma meditação (dhyāna) é necessário compreender a concepção indiana sobre a natureza do ser humano e sobre o Absoluto – conceitos completamente distintos da visão ocidental que conhecemos.

 

A MENTE (MANAS) E A BUDDHI

No pensamento indiano o ser humano é constituído por muitos níveis, uns dentro dos outros (como a matryoshka russa, que é um conjunto de pequenas bonecas encaixadas umas nas outras) – alguns dos quais não têm equivalente no pensamento ocidental.

Segundo a tradição indiana, as principais camadas do ser humano, de fora para dentro, são: (1) corpo material (constituído por matéria grosseira, a partir dos alimentos); (2) corpo energético, envolvendo uma estrutura sutil (cakras e nādīs) permeada por forças vitais (prāṇās); (3) órgãos sensoriais (os cinco sentidos), órgãos de ação e a mente (manas); (4) a buddhi – uma palavra que não tem tradução adequada, que é uma porta para a sabedoria – e a individualidade (ahaṅkāra) – em um nível muito profundo do que o ego e que vai se manifestando ao longo de uma sucessão de vidas; e (5) o Eu mais profundo (ātman), que é idêntico ao Ser Absoluto (Brahman). 

Nosso estado mental “normal” lida com os três primeiros níveis. Temos consciência de nosso corpo material, de algumas das forças vitais que agem nesse corpo, dos órgãos dos sentidos e de ação, e também da mente. Na tradição ocidental, a mente e uma de suas atividades (o pensamento) constituem a parte mais profunda do ser humano. É através da mente (ou manas, em sânscrito) que captamos e reconhecemos as sensações, que pensamos, temos lembranças, fazemos planos, raciocinamos, temos emoções, tomamos decisões, fazemos nosso corpo agir. No entanto, de acordo com a tradição indiana exposta nas Upaniṣads e na filosofia Sāṅkhya, existem outros níveis mais profundos, aos quais não temos acesso em nosso estado de consciência comum. 

O quarto nível, apontado acima, contém a buddhi. Às vezes essa palavra é traduzida por “intelecto”, mas tal tradução passa um significado totalmente equivocado. A buddhi é algo que está além da mente, além dos processos de pensamento e raciocínio, nada tendo a ver com os processos intelectuais. A buddhi é uma porta para a sabedoria – uma sabedoria que não consiste em palavras, que é captada de um modo direto, diferente. Na mitologia indiana, ela é representada pelo “terceiro olho” de Śiva. Na anatomia sutil do Tantra, do Laya e do Haṭha-Yoga tradicional, a buddhi está associada ao ājñā-cakra. 

Quando entramos no estado meditativo (dhyāna) característico do Yoga tradicional indiano, estamos com a buddhi ativa e a mente (manas) em segundo plano, ou silenciada. Nesse estado, por causa da ativação da buddhi, podemos ter acesso a conhecimentos diferentes daqueles que adquirimos através do estudo, daquilo que nos ensinaram, daquilo que vem através dos nossos sentidos e do que nossa mente nos trás. Este é o portal que todos os antigos sábios indianos utilizaram. 

Às vezes se compara aquilo que captamos através da buddhi com o que chamamos de “intuição”. Há semelhanças, mas também grandes diferenças. A intuição é um “palpite”, que nos vem de uma forma desconhecida e descontrolada. A buddhi, pelo contrário, pode ser ativada e acessada sempre que queremos, depois que aprendemos a meditar (ou seja, quando sabemos entrar em dhyāna). Além disso, tudo o que recebemos através da buddhi surge com um grau de certeza (e não como um palpite). 

A buddhi nos permite entrar em contato com a essência de qualquer ser do universo – por exemplo, a essência do Sol, a essência das águas, a essência do fogo – de um modo direto, que se manifesta através de um conhecimento simbólico. A buddhi também nos permite captar os nossos níveis mais profundos, como nossa individualidade (ahaṅkāra), que é aquilo que nos distingue de qualquer outro ser do universo; e o ātman, que é o Eu mais profundo, idêntico em todos nós, que é eterno, imutável, infinito. É realmente impossível captar isso através do pensamento e do raciocínio, mas a buddhi nos proporciona essa possibilidade. 

Em nosso estado de consciência comum, não temos acesso aos níveis mais profundos, como buddhi, ahaṅkāra, ātman. As práticas de meditação nos possibilitam entrar em contato com os nossos níveis mais internos, que não conhecemos ou que apenas vislumbramos, no nosso estado normal de consciência. Também nos permitem perceber, fora de nós, uma realidade diferente da que costumamos ver. Conhecer seus níveis mais internos não significa apenas “conhecer a si mesmo”, pois segundo a tradição indiana o ser humano é, em sua essência, idêntico ao Absoluto, e ao se conhecer o microcosmo adquire-se também conhecimento sobre o macrocosmo. 

Segundo a tradição indiana, a meditação nos dá acesso a uma fonte de conhecimento que ultrapassa os limites humanos comuns. Pela meditação podem ser abertas as portas para o conhecimento que foi atingido por todos os antigos sábios, pois foi assim (e não apenas pensando e lendo) que eles atingiram aquilo que nos transmitiram. Para aquele que sabe meditar, todos os livros e textos deixam de ter importância.

Este é um legado muito profundo e importante do Yoga. Este é um aspecto essencial do Yoga tradicional, porém pouco conhecido e praticado, porque costumamos dar atenção apenas àquilo que vemos, apenas à superfície.

 

MEDITAÇÃO TRADICIONAL

Ao contrário dos métodos modernos de meditação, ou “meditação”, encontramos na tradição indiana a busca por um caminho para a sabedoria que transcende as palavras e o pensamento, atingindo níveis mais profundos da realidade. Vários séculos antes do início da era cristã, as antigas Upaniṣads já falavam muito sobre isso. Elas não apenas afirmavam essa possibilidade, mas também continham dentro delas próprias o segredo para atravessar a superfície das palavras e da aparência e chegar à essência das coisas. As Upaniṣads descreviam algumas práticas, porém – mais importante do que isso – elas eram transmitidas de um mestre para um discípulo, através de um processo de iniciação espiritual, em que o mestre (ācārya) passava para o seu discípulo (śiṣya) as suas vivências internas, colocando-o em condições de captar de um modo profundo a mensagem transmitida. As Upaniṣads não eram simples textos para serem lidos e compreendidos intelectualmente, eram instrumentos para o Jñāna-Yoga, ou Yoga da sabedoria, induzindo estados meditativos. Além dessa transmissão iniciática do ācārya para o discípulo, as Upaniṣads continham diversas instruções sobre práticas de meditação, que aparecem às vezes de modo não muito claro, mas que podem ser identificadas por uma pessoa experiente. 

Na mesma época em que as Upaniṣads mais antigas estavam sendo compostas, existiam grupos de ascetas na Índia que costumam ser chamados de śramaṇas. Eles não nos deixaram textos, mas sabe-se que praticavam algumas formas de Yoga, incluindo meditação. 

Foi através do contato com śramaṇas, seis séculos antes da era cristã, que o Buddha histórico, Siddhārta Gautama, aprendeu diversas técnicas de meditação, que depois foram modificadas e transmitidas como parte do Budismo. Essas práticas eram chamadas de “jhāna”, no idioma Pāli (em que as obras budistas mais antigas foram compostas); correspondem a “dhyāna”, em Sânscrito.

Foi a partir das técnicas de meditação das Upaniṣads e do Budismo – e, talvez, de outras fontes – que Patañjali estruturou há dois mil anos o seu Yoga tradicional (que costumamos chamar de Rāja-Yoga), descrito no Yoga-Sūtra. Patañjali não criou técnicas totalmente diferentes, mas selecionou práticas que já existiam e as estruturou de um modo original, didático e eficaz. 

O Rāja-Yoga de Patañjali apresenta um método de desenvolvimento gradual do yogin ou yoginī, utilizando posturas estáticas confortáveis para que o corpo não atrapalhe as práticas internas, utilizando algumas técnicas de respiração para o controle da mente, retirando as distrações que vêm do exterior pela retração dos sentidos (pratyāhāra) e estabelecendo a concentração (dhāraṇā) para entrar no estado de meditação (dhyāna). Essa metodologia do Yoga tradicional é extremamente didática, podendo ser transmitida e treinada de um modo muito eficaz. Depois que uma pessoa adquiriu o treinamento do Rāja-Yoga de Patañjali, ela pode entrar com facilidade em meditação. Por isso, recomendamos a todos que aprendam essa metodologia tradicional de meditação.

Existem outros tipos antigos de meditação desenvolvidos em outras culturas – por exemplo, no Zen Budismo japonês, no Taoísmo chinês, no Budismo tibetano, etc. São práticas de tipos completamente diferentes daquilo que estamos apresentando e não serão explicadas aqui, porque não é nosso objetivo abranger tudo e sim mostrar o que significa a meditação indiana tradicional. 

 

DIFERENTES TIPOS TRADICIONAIS DE MEDITAÇÃO INDIANA

Na meditação tradicional indiana, o praticante prepara seu corpo, aquieta a mente, elimina as distrações, concentra sua atenção, ativa a buddhi e entra no estado meditativo (dhyāna). Porém, o objetivo, o conteúdo e a técnica de meditação podem variar. A meditação pode ser conduzida por um mantra, ou não utilizar mantras; pode ser conduzida por imagens (pinturas e estátuas de devas e devīs, se for uma prática devocional; as imagens chamadas de “yantras”, se for uma prática tântrica) ou não utilizar imagens externas; pode ser dirigida para entrar em contato com a essência de um ser do universo material (água, vento, fogo, Lua...) ou imaterial (um ser divino, por exemplo); pode ser realizada de olhos abertos – para ir além das aparências do mundo externo – ou de olhos fechados; pode trabalhar com os cakras e suas correlações cósmicas; pode estar voltada para o autoconhecimento mais profundo (da sua individualidade – ahaṅkāra – e do seu ātman); pode ser guiada por perguntas de natureza espiritual, procurando orientação para sua própria caminhada espiritual; e muitas outras possibilidades.

A meditação tradicional é uma prática profunda, de natureza espiritual. Não constitui em ficar pensando. Também não é apenas acalmar a mente. Não é um mero relaxamento, nem uma técnica de autoajuda. Não tem o objetivo de aliviar o stress, nem de obter maior rendimento no trabalho, nem de melhorar a saúde física ou emocional, nem de dormir melhor. Sim, é claro que esses outros objetivos são válidos, mas não são objetivos da meditação tradicional e podem ser obtidos através de outras técnicas e com a ajuda de outros profissionais (psicólogo, fisioterapeuta, médico...) e não de um professor de meditação.

 

POSTURAS PARA MEDITAÇÃO

Tanto no Yoga de Patañjali quanto em todas as outras descrições antigas sobre processos de meditação, a prática é feita em uma postura assentada – nunca na posição deitada. Há vários motivos para isso. Uma pessoa deitada pode se relaxar mais confortavelmente, porém isso facilita a perda de controle e a entrada em um estado de sono. A meditação precisa ser plenamente consciente e a mente precisa estar sob controle da própria pessoa que medita. Uma postura assentada ajuda a manter a pessoa desperta, atenta, autocontrolada. 

Não é necessário adotar nenhuma postura complicada para meditar. Não é necessário ficar na postura de lótus (padmāsana) nem em qualquer outra postura específica do Yoga. No Yoga-Sūtra, Patanjali não dá o nome de nenhuma postura para meditação, mas indica que a postura deve ser firme e confortável. Basta isso.

Qualquer uma das posturas assentadas do Yoga que você conhecer e conseguir praticar durante um tempo mais longo, sem desconforto, será adequada para meditar. A pessoa deve se assentar no chão sobre um suporte macio (como um tapete de Yoga dobrado). Se o seu corpo não tem o treino necessário para ficar em uma postura assentada no chão, é possível fazer adaptações, como empregar almofadas e/ou blocos de Yoga para se apoiar, a utilização de banquinhos de meditação, faixas de meditação, assentar-se em uma cadeira reta e sem braços (sem se encostar), etc. Em todos os casos, é importante que a coluna vertebral fique ereta e que a pessoa consiga relaxar o corpo, sem com isso desestabilizar a postura. 

As práticas de meditação podem se tornar bastante longas (mais de meia hora), depois de algum tempo de treino. Por isso, os praticantes precisam estar preparados para ficar assentados confortavelmente durante tempos longos, sem desconforto.

 

CONTROLE DA MENTE E CONCENTRAÇÃO (DHĀRAṆĀ)

Uma parte importantíssima da preparação para a meditação é o controle da mente. A meditação utiliza a buddhi; em nosso estado comum de consciência, utilizamos nossa mente (manas). A atividade mental do dia-a-dia (chamada por Patañjali de citta-vṛtti), quase ininterrupta, é um fluxo de sensações, pensamentos, emoções, lembranças, desejos, medos, planos, atividades de muitos tipos. A nossa atenção fica quase continuamente envolvida nesse turbilhão mental. 

É preciso controlar e desativar a mente (ou colocá-la em segundo plano) para que a buddhi se manifeste. Sem isso, não conseguimos entrar no estado meditativo.

Há diferentes técnicas de controle da mente que são aprendidas em um treinamento de meditação. Pode ser utilizada uma técnica de corte de respiração, ou a de deixar os pensamentos e outros conteúdos passarem, observando-os “de fora”, ou preencher a mente com um conteúdo neutro. Cada pessoa precisa aprender, treinar e adquirir domínio sobre algumas dessas técnicas. Quando consegue dominá-las, a pessoa entra em um estado de neutralidade, em que o fluxo mental diminui muito, podendo haver lacunas sem qualquer conteúdo mental. Mesmo os conteúdos mentais que continuam a aparecer já não têm importância e não prendem a atenção, ficam em segundo plano, como o ruído de um aparelho de ar condicionado com o qual nos acostumamos e nem nos perturba mais. 

Adquirir as técnicas de controle da mente é essencial. Mas isso ainda não é meditação, é apenas uma preparação. 

Outro componente muito importante para aprender a meditar é a concentração (dhāraṇā, em sânscrito). Essa prática consiste em fixar a atenção em uma única coisa e não permitir que a mente se distraia nem fique pensando sobre essa coisa. Imagine um equilibrista que está atravessando uma corda estendida sobre um abismo. Ele precisa manter uma concentração total nas suas sensações e movimentos. Não pode pensar sobre o que aconteceu no dia anterior, nem sobre o futuro. Não pode se distrair e perder a concentração, senão vai cair e morrer. 

O estado de atenção plena e concentrada (dhāraṇā) é importante, mas ainda não constitui uma prática de meditação. Atualmente, está em moda aprender técnicas que produzem esse estado, e fazem propaganda disso como se fosse “meditação”. Não é. É um estágio preparatório. 

Pode-se praticar a concentração prestando atenção em algo externo ou interno. É possível, por exemplo, exercitar a concentração olhando fixamente para uma figura geométrica, sem se distrair, sem pensar sobre ela, sem deixar que sua mente se ocupe com outras coisas. Outro tipo de exercício de concentração é fixar sua atenção na própria respiração, ou em um som monótono, sem se desviar. Uma prática de concentração pode também ser fixar em um mantra, em uma palavra, em uma pergunta e outros “objetos” internos. 

Nessas práticas, quando a pessoa percebe que está se distraindo, deve utilizar as técnicas de controle mental para trazer a atenção de novo ao ponto de concentração. 

Quando uma pessoa consegue adquirir o controle da concentração e mantê-la durante vários minutos, ela entra no estado meditativo (dhyāna).

 

DHYĀNA E SAMĀDHI

O estado de meditação (dhyāna), quando a mente foi acalmada e a buddhi está ativa, é um estado alterado de consciência muito especial e profundo, que abre um canal de comunicação para a sabedoria. No entanto, não é o estado de consciência mais elevado. Há um outro, que se chama samādhi, que é um estágio mais profundo.

Antes de poder explicar o que é o samādhi, é importante dizer o que ele NÃO É. Há equívocos muito grandes que circulam a respeito do samādhi. Muitos livros e professores dizem que o samādhi é o objetivo do Yoga. Não é. O objetivo do Yoga tradicional indiano é a libertação ou mokṣa. O samādhi é uma prática e um importante estado que pode ser atingido, mas normalmente ele é temporário, passageiro, não dura muito tempo. 

É importante também saber que o samādhi não é uma coisa que só pode ser atingida por pessoas incríveis, grandes místicos, ou extraterrestres. Não. Talvez você já tenha tido uma vivência espontânea de samādhi, sem saber que aquilo era samādhi. As pessoas podem ter uma ou várias vivências de samādhi e, apesar disso, estarem longe de uma realização espiritual. Uma pessoa comum pode, espontaneamente ou através de técnicas especiais, atingir o samādhi. 

Há também a crença equivocada de que o samādhi só pode ser obtido quando um “grande guru” toca ou lança um olhar especial sobre uma pessoa, transformando toda sua vida. Pessoas tolas, que acreditam em Papai Noel e Coelho da Páscoa, preferem aceitar crenças desse tipo, em vez de assumir a responsabilidade por sua transformação espiritual e se esforçar para isso. A crença na importância insubstituível de um “grande guru” não é apenas tola, é prejudicial, pois leva muitas pessoas a se entregarem cegamente a falsos gurus, que vão iludi-las (porque elas querem ser iludidas) e explorá-las de muitas formas (aproveitando-se de seu dinheiro e outros bens, suas preces e adoração, ou até mesmo sexualmente). Esqueça os “grandes gurus”. Dedique-se, treine-se, esforce-se, assim você caminhará de forma segura e poderá (entre outras coisas) ter vivências de samādhi.

Mas, afinal, o que é o samādhi? Trata-se de um estado alterado de consciência em que a buddhi está ativa e em que a pessoa atinge uma união ou fusão com aquilo em que estava meditando. Vamos dar um exemplo simples. Suponhamos que uma pessoa faça uma prática voltada para a compreensão da essência da água. Ela pode se preparar, depois se concentrar de olhos abertos em um lago, um rio ou mesmo um copo cheio de água; depois, se conseguir manter a concentração (dhāraṇā), ela entrará em um estado meditativo (dhyāna) e começará a perceber de forma simbólica e “intuitiva” o que é a água, recebendo lições que vão muito além da compreensão intelectual. O estágio seguinte é quando desaparece a diferença entre a pessoa e a água, ela É A PRÓPRIA ÁGUA, e agora não existe mais uma pessoa que conhece e uma outra coisa que é conhecida, há uma unidade, uma união, uma fusão completa. Isso é uma vivência de samādhi. A característica principal dos estados de samādhi é a ausência de dualidade, de separação, de distinção. Esse estado não é confuso, é acompanhado de grande clareza, de consciência luminosa, de percepção profunda da realidade e de uma grande felicidade. 

O samādhi pode ser muito curto (poucos segundos) ou pode ter uma duração mais longa. Isso vai depender das circunstâncias em que a vivência ocorre e da preparação da pessoa. É muito comum que uma pessoa, ao entrar em samādhi, leve um susto e perca a vivência; ou que comece a pensar sobre o que está acontecendo e saia do samādhi por causa disso. 

No treinamento do Rāja-Yoga, segundo a metodologia ensinada por Patañjali, a pessoa se prepara, depois entra na etapa de concentração (dhāraṇā), daí passa para a meditação (dhyāna) e, da meditação, entra no samādhi. Essas transições da concentração para o estado meditativo e deste para o samādhi não são automáticas, exigem um aprendizado e a superação de certas barreiras, mas a sequência dessas etapas pode ser treinada e permite o progressivo domínio da entrada em samādhi.

As vivências de samādhi produzem uma transformação profunda do yogin ou yoginī. À medida que a pessoa adquire maior facilidade de entrar em samādhi e permanece mais tempo nesse estado, suas barreiras espirituais vão caindo. A prática do samādhi é um caminho para a libertação, ou mokṣa.

 

MEDITAÇÃO MODERNA

A meditação tradicional indiana (dhyāna) é profunda, transformadora e abre as portas para a sabedoria. Infelizmente, aquilo que se costuma oferecer como “meditação” atualmente, é banal, superficial, não leva a um avanço espiritual significativo. 

Examinando algumas propagandas sobre “meditação” divulgadas na Internet, vemos que ela é apresentada como uma coisa que serve para as seguintes finalidades: aumenta a imunidade; equilibra as emoções; reduz o stress e a depressão; regula o ritmo cardíaco; aumenta a alegria; traz harmonia para sua vida; melhora a atenção e a memória; aumenta a energia; aumenta vitalidade e produtividade; melhora as relações no trabalho; redução de stress, ansiedade e dores nas costas; confere uma sensação de calma e equilíbrio; proporciona melhores noites de sono; e assim por diante. Essas propagandas não falam sobre desenvolvimento espiritual, não mencionam a buddhi, não descrevem estados alterados de consciência – enfim, não têm nenhuma relação com a meditação indiana tradicional (dhyāna). 

Se aquilo que você quer é dormir melhor, então procure a “meditação” moderna. Mas se quer técnicas de transformação profunda e transcendência, procure a meditação tradicional indiana (dhyāna). 

RELAXAMENTO

Muitos dos benefícios atribuídos à “meditação” moderna podem ser obtidos facilmente, por práticas de relaxamento. Relaxamento não é meditação; o relaxamento nem mesmo é uma técnica da tradição indiana. Mas é uma prática muito útil, para várias finalidades do dia-a-dia. 

Ao contrário da meditação tradicional, o relaxamento costuma ser feito em uma posição deitada. Adormecer durante o relaxamento não é um problema grave, pois não é importante manter a consciência e o controle durante essa prática – ao contrário de uma meditação. Na posição deitada, sobre uma superfície horizontal coberta por algum material macio (por exemplo, um cobertor dobrado), a pessoa aprende a ir relaxando todos os músculos do corpo e isso induz, ao mesmo tempo, a um relaxamento mental e a uma redução do ritmo de respiração e do batimento cardíaco. Daí se seguem todos os benefícios que costumam ser atribuídos à “meditação”.

Em muitas aulas de Yoga, nas academias e institutos atuais, após induzir o relaxamento físico, o instrutor ou instrutora costuma sugerir a visualização de imagens, fazer sugestões de mudanças de comportamento, transmitir mensagens que considera positivas, etc. Nada disso é parte integrante do relaxamento propriamente dito, que consiste – como a própria palavra diz – em relaxar. Muitas pessoas acreditam que essas adições transformam o relaxamento em meditação; mas isso não é verdade. Alguns tipos muito específicos de visualizações podem, é verdade, contribuir para o processo de relaxamento – por exemplo, imaginar-se em um local e bonito, agradável ajuda a induzir um estado mental de relaxamento. Porém, de um modo geral, essa condução das pessoas pelo instrutor ou instrutora de Yoga pode ser perigosa.

 

Em um estado de relaxamento, as barreiras mentais das pessoas se enfraquecem, elas se tornam muito mais suscetíveis a sugestões vindas de fora e, por isso, podem ser manipuladas através de sugestões. Mesmo se o instrutor ou instrutora de Yoga tiver ótimas intenções, estará interferindo na vida de seus alunos de um modo indevido.

 

Pior ainda se o professor ou professora da Yoga tiver más intenções. A situação é ainda mais grave quando coisas desse tipo são feitas com crianças. Em vários países do mundo, está sendo introduzida nas escolas a prática de “meditação” com os estudantes. Nessas práticas, o professor ou professora coloca as crianças em estado de relaxamento e depois as sugestiona para que sejam boazinhas, não conversem durante as aulas, façam as lições em casa, etc. O objetivo pode ser positivo, mas isso é totalmente antiético; é uma manipulação indevida da mente altamente sugestionável de crianças em um estado de receptividade. Isso jamais deve ser feito. 

Tomando-se os devidos cuidados, as práticas de relaxamento são úteis, para várias finalidades. Porém, uma prática de relaxamento não é um tipo de meditação; nem é uma preparação para a meditação. É conveniente ter clareza sobre suas diferenças, para não se enganar e não enganar outras pessoas. 

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