Kularnava
Tantra
Tradução completa para o
português, por Karen de Witt
Todos os meses colocamos à disposição de nossos
leitores novos textos, na biblioteca virtual de textos
de nosso site. Neste mês, apresentamos uma tradução completa para o
português do Kularnava
Tantra.
O Kularnava
Tantra
é provavelmente o mais importante texto adotado pela escola tântrica
Kaula. É citado constantemente como uma autoridade, na literatura
tântrica. Essa obra foi publicada em sânscrito por Arthur Avalon
(pseudônimo de Sir John Woodroffe), em 1916. O texto era acompanhado
por uma Introdução, pelo próprio Sir John Woodroffe; e por um resumo da
obra, em inglês, por Madhav Pundalik Pandit, em 11 capítulos. Essas
duas partes em inglês foram traduzidas para o espanhol e já haviam sido
disponibilizadas no nosso site:
Descrição do Kularnava
Tantra em espanhol
Não se trata, portanto, do Kularnava Tantra
completo em si mesmo, mas de uma descrição sobre o seu conteúdo. A
análise feita por Madhav Pundalik Pandit omite os detalhes técnicos,
mas procura preservar o significado original das doutrinas expostas na
obra.

Somente na década de 1990 apareceu a primeira
tradução completa desta obra: Kularnava
Tantra
(Sanskrit text with English translation), traduzido por Ram Kumar Rai e
publicado por Prachya Prakashan. Foi a partir dessa versão completa em
inglês que Karen de Witt realizou sua tradução para o português, que
apresentamos aqui.
Reproduzimos abaixo a introdução geral que já
havia sido divulgada juntamente com a tradução para o espanhol, citada
acima.

O Kularnava
Tantra
prescreve os modos pelos quais um adepto do Kaula deve se preparar para
a busca espiritual mais elevada. Aborda aspectos de ética, religião,
filosofia e yoga, orientando o praticante através de rituais, repetição
(japa), mantras e práticas devocionais. Discute também que tipo de
pessoa está preparada para seguir o caminho do Tantra, assim como os
requisitos e a responsabilidade do guia espiritual (guru).
A corrente específica de tantrismo associada ao
Kularnava
Tantra
é chamada de Kaula ou Kula. Mais especificamente, esse texto está
associado à corrente Kaula do Sul da Índia, em Kerala, que adota como
principais escrituras: Kularnava
Tantra, Mahanirvana
Tantra, Tantraloka,
Sakthi Tantra
e Tantra Manchiri.
O Mahanirvana Tantra,
que foi totalmente traduzido para o inglês por Arthur Avalon (Sir John
Woodroffe), é a mais conhecida dessas escrituras. Veja informações
sobre essa obra, e link para sua tradução nesta página.

A
palavra sânscrita “kula” significa grupo ou família. No âmbito
filosófico, representa uma unidade espiritual. Quando adotada no
contexto tântrico, costuma ser interpretada como o grupo de
praticantes, a família espiritual formada por eles. Alguns autores
interpretam “kula” como a unidade subjacente a todos os seres do
universo, que pode ser identificada com Shiva ou com a Grande Deusa
indiana.
Os líderes das
seitas Kaula recomendam aos seus adeptos que ultrapassem os tabus e as
regras sociais, como um meio para atingir a libertação espiritual.
Outras correntes tântricas, como o Shaivismo de Kashmira, são mais
moderadas, recomendando o respeito às normas éticas e sociais.

Apresentaremos
a seguir alguns dos conceitos básicos da tradição Kaula: os de pureza,
sacrifício, liberdade, guru e coração.
Nessa
tradição, nenhum objeto ou atividade é considerado impuro em si mesmo.
A pureza ou impureza de qualquer depende da atitude da pessoa. A única
impureza absoluta é a ignorância, e o conhecimento é puro. Assim, uma
obra tântrica (Tantraloka)
recomenda: “Neste sacrifício, o sábio deve utilizar os próprios
ingredientes que são proibidos nas escrituras. Ele fica imerso no
néctar da mão esquerda.” Tudo se torna puro quando a pessoa se
identifica com a consciência suprema. O praticante não é afetado pelas
impurezas externas, e faz uso daquilo que costuma ser proibido ou
criticado, para atingir a transcendência. É esse aspecto que torna
anti-social ou anti-ético o Tantra da mão esquerda (que inclui a
tradição Kaula).

Os
rituais ou sacrifício (yajña) realizados na tradição Kaula são
definidos primariamente como atos internos, com o propósito de evocar a
realidade suprema. No entanto, se o sacrifício fosse realizado apenas
internamente, isso caracterizaria um dualismo ou limitação. Por isso,
os praticantes Kaula também realizam rituais simbólicos externos que
dão apoio à prática interna. Nesses sacrifícios são utilizados
principalmente seis suportes ou ajudas: a realidade externa; o(a)
companheiro(a) ou parceiro(a); o corpo; o canal energético central
(sushumna); a mente; e a Grande Deusa, Shakti.

Todo
o discurso dos textos Kaula enfatiza a idéia de liberdade,
auto-suficiência, quebra de vínculos, libertação. Sob o ponto de vista
social, o praticante do Kaula se desliga da sociedade, adotando a
família espiritual do seu guru. O abandono das conexões sociais tem por
objetivo ajudar a produzir a liberdade mental interna e a superação das
limitações do ego, assim como a liberação dos preconceitos culturais e
das regras sociais. No nível ético, há uma liberdade pelo abandono das
regras a respeito do que é considerado puro ou impuro. No nível
energético, a liberdade é atingida pelo despertar da Kundalini com a
utilização de asana, pranayama, mudra e mantras. A energia vital é
sublimada para produzir a elevação da consciência.

A
culminação esperada desse processo é a iluminação espiritual, pela
revelação da unidade entre o eu individual e a divindade, um estado
descrito como atma-vyapti, ou reabsorção no verdadeiro eu (atman).
Também é denominado Shiva-vyapti, ou reabsorção na consciência suprema
de Shiva. Essa iluminação traz, segundo a tradição Kaula, a libertação
da necessidade de renascer. A consciência se expande ao nível da
realidade pura, além do tempo e do espaço, onde não há limites para a
sabedoria, onde se encontra uma felicidade completa.
O
caminho da prática tântrica é conduzido por um Guru. O discípulo deve
se entregar ao seu mestre ou guru, aceitando suas orientações e
conectando-se a ele de uma forma profunda. Através dessa conexão, que
envolve um vínculo afetivo e uma grande confiança, os discípulos
partilham das vivências do guru, ligam-se diretamente ao coração
iluminado do mestre e assim aprendem a atingir o estado mais elevado de
consciência. O guru e o discípulo formam uma única pessoa, através
dessa conexão. Como uma vela que se acende a tocar a chama de outra
vela, a revelação do eu supremo passa do guru ao discípulo diretamente,
não através de palavras ou práticas externas, mas pela transferência
direta do poder ou Shakti.

Baseando-se
na filosofia Sankhya, a doutrina Kaula considera que o eu individual
(aham) é constituído por oito elementos: os cinco sentidos, a mente
(manas), o ego (ahamkara) e a sabedoria (buddhi). O coração é o centro
no qual esses oito elementos são unificados formando um Kula, e onde se
encontra a realidade mais sagrada, onde a pessoa encontra a consciência
(Cit) e a beatitude (Ananda). Este é o lugar onde se unem Shiva e
Shakti.

Um
dos métodos mais importantes para obter a liberdade é deslocar a
consciência para o coração, que se torna o centro do ser, em uma
prática denominada Kechari Mudra. Essa prática significa, na doutrina
Kaula, a habilidade da consciência de se mover livremente (charati)
dentro do espaço (kha) do coração. Identificando-se com a consciência
pura, o praticante reconhece Shiva como a realidade suprema. As
práticas relacionadas à consciência são explicadas em textos como Vijñana Bhairava Tantra,
Spanda
Karikas e Shiva
Sutras.
Como
outras escolas tântricas, a doutrina Kaula adota uma atitude de aceitar
todo tipo de ação como válida para a transformação espiritual. Assim, a
sexualidade, o amor, a vida social e as artes podem ser considerados
como veículos espirituais. Tudo o que é agradável, praseiroso, pode ser
integrado à prática tântrica. No entanto, a finalidade não é o prazer
em si mesmo, mas a utilização de caminhos agradáveis para a
transformação espiritual.
Entre
as práticas utilizadas na linha Kaula estão as trocas de energia na
família espiritual (Kula), os rituais de iniciação, os ritos sexuais,
as práticas de alquimia espiritual de transformação dentro do próprio
corpo, o controle da energia (Shakti) através de práticas físicas,
mantras e fonemas místicos, e os exercícios com a consciência.

O Kularnava
Tantra
é uma das obras fundamentais sobre a tradição Kaula. O texto em
sânscrito acompanhado de uma tradução completa para o inglês do Kularnava Tantra
foi elaborado por Ram Kumar Rai e publicado em 1999. A tradução para o
português, aqui apresentada, foi feita por Karen de Witt a partir dessa
versão em inglês.
Karen
de Witt é especializada em astrologia indiana tradicional (Jyotisha),
tendo estudado a astrologia védica no Sri Jagannath Center, em Nova
Delhi. Mais informações sobre a tradutora podem ser encontradas nos
links abaixo:
https://www.facebook.com/karendewitt.rj
http://sriganesa.blogspot.com.br
Você pode fazer o download desta obra na biblioteca
virtual de textos de nosso site.