Os trechos abaixo foram traduzidos do livro “Kundalini Yoga”,
de Sri Swami Sivandanda, publicado por The Divine Life Society, Uttar
Pradesh (India), 1994 (10ª edição). A obra completa, em inglês, está
disponível em formato PDF neste link: http://www.dlshq.org/download/kundalini.pdf.
KUNDALINI E YOGA
A
palavra Kundalini é familiar a todos os estudantes de Yoga, pois é bem
conhecida como o poder, sob a forma de uma serpente enrolada, que
reside no Muladhara Chakra, o primeiro dos sete chakras, sendo os
outros seis, Svadhishthana, Manipura, Anahata, Vishuddha, Ajna e
Sahasrara.

Todos
os Sadhanas – na forma de Japa, meditação, Kirtan e oração, bem como
todo o desenvolvimento das virtudes, a observância de austeridades como
a verdade, não-violência e a continência – são calculadas apenas para,
na melhor das hipóteses, despertar a força serpentina e fazê-la passar
por todos os chakras sucessivamente, começando do Svadhishthana até o
Sahasrara. Este último também é chamado de lótus de mil pétalas,
assento de Sadashiva, de Paramatma, ou do Absoluto. A Kundalini (ou a
Shakti) reside separada dele (Shiva) no Muladhara. A Kundalini passa
por todos os Chakras com o objetivo de unir-se a ele, como já foi
explicado acima, conferindo a libertação ao aspirante que pratica
assiduamente o Yoga ou a técnica de unir a Kundalini com o seu Senhor,
e que também obtém sucesso com o seu esforço.

Nas
pessoas de mentalidade mundana, entregues aos prazeres sensuais e
sexuais, este poder da Kundalini está adormecido por ausência de todo
estimulo sob a forma de práticas espirituais pois só a energia gerada
por aquelas práticas – e nenhuma outra força derivada da posse de
riquezas e abundância mundana – desperta a esse poder serpentino.
Quando o aspirante pratica seriamente todas as disciplinas recomendadas
nos Shastras, e obedece as instruções do seu mestre – em quem a
Kundalini já teria sido despertada e atingido sua morada com Sadashiva,
adquirindo assim a realização abençoada que lhe permite atuar como um
Guru ou preceptor espiritual, orientando e ajudando os outros para que
também atinjam o mesmo fim – os véus ou camadas que prendiam a
Kundalini começam a ser rasgados e, finalmente, se desprendem por
completo, e o poder serpentino é empurrado ou conduzido, por assim
dizer, de forma ascendente.
Aparecem
visões supersensuais diante do olho mental do aspirante, novos mundos
de prodígios e encantos indescritíveis se desdobram perante o Yogi,
planos após planos revelam sua existência e grandeza ante o praticante,
e o Yogi atinge conhecimento, poder e beatitude divinos, em graus
crescentes, quando a Kundalini passa de um Chakra ao outro, fazendo com
que eles se abram em seu esplendor; antes do contato com a Kundalini,
eles não manifestam seus poderes de emanar sua luz e sua fragrancia
divinas, nem revelam os segredos e fenômenos divinos, que se ocultam
aos olhos das pessoas de mentalidade mundana que se recusariam a
acreditar até mesmo em sua existência.

Quando
a Kundalini sobe um chakra ou centro de Yóguico, o Yogi também sobe um
passo ou degrau para cima na escada do Yoga, lê mais uma página do
livro divino, a página seguinte; quanto mais a Kundalini ascende, mais
o Yogi avança também para a meta ou perfeição espiritual em relação a
ela. Quando a Kundalini chega ao sexto centro ou o Chakra Ajna, o Yogi
obtém a visão do Deus pessoal ou Saguna Brahman, e quando a força
serpentina chega ao último centro supremo, o Sahasrara Chakra, ou lótus
de mil pétalas, o Yogi perde sua individualidade no oceano de
Sat-Chit-Ananda ou Existência-Conhecimento-Felicidade e se unifica com
o Senhor ou a Alma Suprema. Ele deixa de ser um homem comum, não é mais
um simples Yogi, mas sim um sábio plenamente iluminado, tendo
conquistado o reino divino eterno e ilimitado, um herói que ganhou a
batalha contra a ilusão, um Mukta ou liberto que atravessou o oceano de
ignorância ou a existência transmigratória, é um super-homem com a
autoridade e capacidade para salvar do mundo relativo as demais almas
que lutam. As escrituras o aclamam, glorificando-o e a sua realização o
máximo possível. Os seres celestes o invejam, sem excluir sequer a
Trindade, ou seja, Brahma, Vishnu e Shiva.

A IMPORTÂNCIA DE KUNDALINI YOGA
Em
Kundalini Yoga, a Shakti criadora e sustentadora de todo o corpo está
real e verdadeiramente unida com o Senhor Shiva. O Yogi pede para que
ela o apresente ao seu Senhor Shiva. O despertar da Kundalini Shakti e
sua união com o Senhor Shiva concretiza o estado de Samadhi (União
Extática) e de Anubhava (experiência) espiritual. É Ela que dá o
conhecimento ou Jñana, pois Ela mesma é isso. A própria Kundalini,
quando despertada pelos yogis, concede-lhes a Jñana (iluminação).
A
Kundalini pode ser despertada por vários meios e esses métodos
diferentes são chamados por diferentes nomes, como por exemplo: Raja
Yoga, Hatha Yoga, etc. Quem pratica este Kundalini Yoga afirma que é
superior a qualquer outro processo e que o Samadhi alcançado com ele é
mais perfeito. Esta é a razão que que eles alegam: no Dhyana Yoga, o
êxtase ocorre através do desprendimento do mundo e da concentração
mental que leva à operação mental variada (Vritti) até o surgimento da
consciência pura, sem o estorvo das limitações da mente.
O
grau no qual se efetiva este desvelar da consciência depende da força
da meditação, da Dhyana Shakti do Sadhaka e do o grau de desapego do
mundo. Por outro lado, a Kundalini que é toda Shakti e em consequencia
é Jñana Shakti, confere Jñana e Mukti quando os Yogis a despertam. Em
segundo lugar, em Kundalini Yoga não há meramente um Samadhi através da
meditação, mas o poder central do Jiva carrega consigo as formas do
corpo e da mente. Afirma-se que a união, nesse sentido, é mais completa
que a estabelecida através de outros métodos. Embora em ambos os casos
se perca a consciência do corpo, em Kundalini Yoga não só a mente mas
também o corpo (na medida em que é representado pelo sua força central)
se une realmente ao Senhor Shiva no Chakra Sahasrara. Essa união
(Samadhi) produz Bhukti (gozo) que um Dhyana Yogi não possui. Um
Kundalini Yogi tem tanto Bhukti (gozo) quanto Mukti (libertação), no
sentido mais pleno e literal.

Assim,
afirma-se que este Yoga é o principal de todos os Yogas. Quando os
kriyas yoguicos despertam a Kundalini adormecida, esta força a passagem
para cima através dos diferentes chakras (Shat-Chakra Bheda). Ela os
excita e estimula para que entrem em atividade intensa. Durante sua
ascensão, abre-se plenamente camada após camada da mente. Desaparecerão
todos os kleshas (aflições) e os três tipos de Tapas. O Yogi
experimenta diversas visões, poderes, felicidade e conhecimento. Quando
chega ao Sahasrara Chakra, no cérebro, o iogue obtém o máximo de
conhecimento, felicidade, poder e Siddhis. Ele atinge o mais alto
degrau na escada do Yoga. Ele se separa perfeitamente do corpo e da
mente. Ele se torna livre em todos os aspectos. É um Yogi plenamente
desenvolvido (Purna Yogi).
KUNDALINI E O SADHANA TÂNTRICO
O
Kundalini Yoga pertence realmente ao Sadhana Tântrico, que descreve
minuciosamente o poder serpentino e os Chakras, como mencionado acima.
A Mãe Divina, o aspecto ativo da Existência - Conhecimento -
Bem-aventurança Absolutos, reside no corpo de homens e mulheres
sob a forma de Kundalini, e todo o Sadhana Tântrico visa o despertar
dela, e fazê-la unir-se com o Senhor, Sadashiva, no Sahasrara, conforme
descrito no início em detalhes. Os métodos no Sadhana Tântrico adotados
para alcançar este fim são: Japa (repetição) dos nomes da Mãe, orações
e vários rituais.
KUNDALINI E HATHA YOGA
O
Hatha Yoga também estrutura também a sua filosofia em torno desta
Kundalini, e os métodos adotados nele são diferentes do Sadhana
Tântrico. O Hatha Yoga visa despertar a Kundalini através da disciplina
do corpo físico, pela purificação das Nadis e pelo controle do Prana.
Através de uma série de posturas físicas chamadas de Yoga Asanas,
tonifica todo o sistema nervoso, e o coloca sob o controle consciente
do Yogi; através dos Bandhas e Mudras controla o Prana, regula seus
movimentos e até mesmo o bloqueia e sela sem permitir que se mova;
através dos Kriyas purifica os órgãos internos do corpo físico e,
finalmente, através dos Pranayama, coloca a própria mente sob o
controle do Yogi. Faz-se a Kundalini subir até o Sahasrara através
destes métodos combinados.
KUNDALINI E RAJA YOGA
O
Raja Yoga não menciona nada sobre a Kundalini, mas propõe um caminho
tranqüilo, sutil e superior, filosófico e racional, e pede ao aspirante
que controle a sua mente, recolha os sentidos e mergulhe na meditação.
Ao contrário de Hatha Yoga, que é mecânico e místico, Raja Yoga ensina
uma técnica com oito membros, apelando para o coração e o intelecto dos
aspirantes. Ele defende o desenvolvimento moral e ético através de seus
Yama e Niyama, ajuda o desenvolvimento intelectual e cultural através
Svadhyaya ou estudo das escrituras sagradas, satisfaz os aspectos
emocional e devocional da natureza humana ordenando-lhe entregar-se à
vontade do Criador, tem um elemento do místico incluindo Pranayama como
um dos oito membros e, finalmente, prepara o aspirante para a meditação
ininterrupta sobre o Absoluto mediante um passo penúltimo de
concentração.

Nem
na sua filosofia, nem na sua prescrição de métodos, o Raja Yoga faz
referência a Kundalini, mas coloca a mente humana e a Chitta como alvos
a serem destruídos, pois só elas fazem com que a alma individual
esqueça a sua verdadeira natureza, provocando o nascimento e a morte e
todas as aflições da existência fenomênica.
KUNDALINI E VEDANTA
Mas
quando chegamos ao Vedanta, nada se fala sobre a Kundalini ou qualquer
tipo de método místico e mecânico. Ele é totalmente indagação e
especulação filosófica. De acordo com o Vedanta, a única coisa a ser
destruída é a ignorância sobre nossa natureza real, e essa ignorância
não pode ser destruída pelo estudo ou com Pranayama, nem com ações, nem
com quantidade alguma de torções e torturas físicas, senão unicamente
mediante o conhecimento de nossa verdadeira natureza, que é
Sat-Chit-Ananda ou Existência-Conhecimento-Felicidade. O homem é sempre
divino, livre e Um com o Espírito Supremo, mas ele se esquece e se
identifica com a matéria, que é uma aparência ilusória e sobreposta ao
espírito. A libertação é libertar-se da ignorância, e o aspirante é
aconselhado a se separar constantemente de todas as limitações e se
identificar com o espirito ou Brahman que penetra tudo, Único, bem
aventurado, pacífico, e homogêneo.
Quando
se intensifica a meditação, o aspirante perde sua individualidade no
oceano da existência, ou melhor, a individualidade é apagada
completamente. Assim como uma gota de água colocada em uma frigideira
se evapora ou explode totalmente, a consciência individual se dissolve
na Consciência Universal e é absorvida na mesma. De acordo com o
Vedanta não pode haver verdadeira liberação em um estado de
multiplicidade, e o estado de completa unidade é a meta a ser aspirada,
e a única para o qual toda a criação inteira se move lentamente.
SOBRE O AUTOR
Swami
Sivananda Saraswati nasceu em Pattamadai, Índia, no dia 8 de
setembro de 1887 e faleceu em 14 de julho de 1963. Chamado de
Shivananda ou Sivananda, foi um líder espiritual indiano de grande
influência.
Seu
pai, P.S. Vengu Iyer, foi um oficial do governo e um sacerdote do
hinduísmo (bramânico). Inicialmente, Sivananda seguiu a carreira da
Medicina, trabalhando durante vários anos como médico antes de se
dedicar ao trabalho espiritual.

Em
1923 desistiu das suas posses, e passou um ano em
peregrinação pelos lugares sagrados da Índia antes de ir para
Rishikesh. Ali ele
foi batizado pelo guru Swami Viswananda Saraswati como Swami Shivananda
Saraswati. Viveu em uma choupana demolida nas proximidades do ashram de
Viswananda, praticou uma vida austera e meditação, e trabalhou como
médico
cuidando das doenças dos gurus e peregrinos. Desde então, viveu a maior
parte de sua vida perto de Muni Ki Reti, em Rishikesh (região do
Himalaia).
Sua fama se espalhava. Ele viajou por toda a Índia ensinando, e na sua
volta em 1932 fundou o Shivananda Ashram. No principio ele era um velho
celeiro para o gado que ele chamou de Ananda Kutir, morada da
felicidade. Discípulos se reuniram e outros celeiros de gado foram
construídos e se tornaram habitáveis.

Sivananda
escreveu mais de 200 livros sobre yoga, vedanta e outros
assuntos associados à espiritualidade indiana. Fundou a Divine Life
Society (em 1936) e a Yoga-Vedanta Forest Academy (em 1948), onde foram
treinados centenas de importantes professores de yoga. Seu ashram, que
foi a sede da Divine Life Society, fica nas margens do rio Ganges em
Shivanandanagar, a 3 km de Rishikesh. Essa sociedade continua a
coordenar os ashrans criados por Sivananda.
Após
a morte de Swami Shivananda em 1963, Swami Chidananda tornou-se
presidente da Divine Life Society e promoveu sua rápida ampliação para
o ocidente.
